segunda-feira, 1 de abril de 2013

Eclipse - Stephenie Meyer


Capítulo 1
1. Ultimato [eclipse]
Bella,
Eu não sei por que você está fazendo Charlie passar bilhetinhos pra Billy como se estivéssemos na 2ª série - se eu quisesse falar com você eu teria respondido o

Foi você quem fez a escolha aqui, Ok?
Você não pode ter as duas coisas quando

Que parte de 'inimigos mortal' você não
Olha, eu sei que eu estou sendo um idiota, mas não existe outra forma de

Nós não podemos ser amigos enquanto você está passando o seu tempo com um bando de

Pensar de mais em você só deixa as coisas piores, então não escreva mais

É, eu sinto a sua falta também. Muito. Isso não muda nada.
Desculpe,
Jacob.


Eu passei os meus dedos pela página, sentindo as marcas onde ele havia pressionado a caneta no papel com tanta força que ele quase rasgou. Eu podia imaginá-lo escrevendo isso - desenhando as letras raivosas com a sua escrita áspera, riscando linha após linha quando as palavras saíam erradas, talvez até fazendo a caneta quebrar em sua mão grande demais; isso explicaria as manchas de tinta.
Eu podia imaginar a frustração fazendo as sobrancelhas dele se apertarem e enrugando a sua testa. Se eu estivesse lá, eu teria sorrido. Não tenha uma hemorragia cerebral, Jacob, eu teria dito a ele. Bota tudo pra fora logo.
Rir era a última coisa que eu tinha vontade de fazer enquanto relia as palavras que eu quase já tinha memorizado. A resposta dele ao meu bilhete de alegações - passado de Charlie pra Billy pra ele, exatamente como na segunda série, como ele apontou - não era surpresa. Eu já sabia a essência do que ele ia dizer antes de abri-lo.
O que mais me surpreendia era o quanto aquelas linhas rabiscadas haviam me machucado - como se a ponta das letras tivessem superfícies cortantes. Mais do que isso, por trás de cada palavra raivosa se escondia uma piscina de dor; a dor de Jacob me cortou mais profundamente do que a minha própria.

Enquanto eu estava pensando nisso, eu senti o cheiro inconfundível de alguma coisa queimando na cozinha.
Em outra casa, o fato de que alguém que não fosse eu estava cozinhando não causaria muito pânico.
Eu enfiei o papel amassado no meu bolso de trás e saí correndo. Eu cheguei ao fim das escadas quase sem tempo. O recipiente de molho de espaguete que Charlie tinha enfiado no microondas estava apenas no início da revolução quando eu abri a porta e o tirei de lá.
"O que eu fiz de errado?", Charlie quis saber.
"Você tinha que ter tirado a tampa antes, pai. Metal não é bom em microondas." Eu rapidamente removi a tampa enquanto falava, derramei metade do molho em uma tigela, depois coloquei a tigela de volta no microondas e guardei o resto de volta no congelador; eu arrumei o tempo e apertei o botão start.
Charlie observou os meus arranjos com os lábios torcidos.
"Eu fiz o macarrão direito?"
Eu olhei para a panela no fogão - a fonte do cheiro que havia me alertado.
"Mexer ajuda", eu disse à meia voz. Eu encontrei uma colher e tentei desgrudar a massa que estava pegada no fundo.
Charlie suspirou.
"Então, pra que é tudo isso?", eu perguntei a ele.
Ele cruzou os braços no peito e olhou, pela janela dos fundos, para a chuva caindo.
"Eu não sei do que você está falando", ele rosnou.
Eu estava confusa. Charlie cozinhando? Qual era o motivo da sua atitude ranzinza?
Edward ainda não estava aqui; geralmente Charlie guardava esse tipo de atitude para o meu namorado, fazendo o melhor que podia para ilustrar o tema "mal vindo" com palavras e postura. Os esforços de Charlie eram desnecessários - Edward já sabia exatamente o que o meu pai estava pensando sem esse show.
A palavra "namorado" me fez mordiscar a minha bochecha pelo lado interior com uma tensão familiar enquanto eu me movia. Não era a palavra certa, nem um pouco. Eu precisava de uma palavra mais expressiva pra comprometimento eterno... Mas palavras como destino e fado pareciam estranhas quando você as usava numa conversa convencional.

Edward tinha outra palavra em mente, e essa palavra era a fonte da tensão que eu sentia.
Os meus dentes se apertavam só de pensar na palavra.
Noiva. Ugh. Eu me afastei do pensamento.
"Eu perdi alguma coisa? Desde quando você faz o jantar?", eu perguntei a Charlie. A massa grudenta boiava na água borbulhante enquanto eu a cutucava. "Ou será que eu devo dizer ‘tenta’ fazer o jantar?"
Charlie levantou os ombros.
"Não há nenhuma lei que diga que eu não posso cozinhar em minha própria casa."
"É você quem sabe", eu respondi sorrindo, enquanto olhava para o distintivo no seu casaco de couro.
"Ha. Essa foi boa." Ele tirou a jaqueta como se o meu olhar tivesse feito ele se lembrar que ainda estava usando o casaco e pendurou-o no gancho reservado para o seu cinto. Seu cinto de armas já estava pendurado no lugar - ele não tinha a necessidade de usá-lo para ir à delegacia por algumas semanas. Não houve mais desaparecimentos perturbadores pra atrapalhar a pequena cidade de Forks, em Washington, nada de visões de lobos gigantescos, misteriosos, nas florestas chuvosas...
Eu cutucava o macarrão em silêncio, imaginando que Charlie falaria sobre o que quer que estivesse incomodando-o quando ele achasse que estava na hora. Meu pai não era um homem de muitas palavras, e o esforço desastroso de orquestrar um jantar feito por ele deixou muito claro que ele estava com um número estranho de palavras em sua cabeça.
Eu olhei pra o relógio rotineiramente - uma coisa que eu fazia todos os dias nessa hora. Agora faltava menos de meia hora. As tardes eram a parte mais difícil do meu dia. Desde que o meu ex melhor amigo (e lobisomem), Jacob Black, me dedurou sobre a moto que eu andava guiando - um castigo que ele havia arquitetado pra que eu não pudesse passar tempo com o meu namorado (e vampiro), Edward Cullen - Edward só tem permissão de me ver até as nove e meia da noite, sempre nos confins da minha casa e sob a supervisão do olhar infalivelmente mal-humorado do meu pai.

Essa era só uma pequena parcela do castigo anterior que eu recebi por ter desaparecido três dias sem explicar e pelo episódio do mergulho do penhasco.
É claro, eu ainda via Edward na escola, porque ainda não havia nada que Charlie pudesse fazer em relação a isso. E depois, Edward passava quase todas as noites no meu quarto também, mas Charlie não estava precisamente consciente disso. A habilidade de Edward de escalar rápida e silenciosamente a minha janela no segundo andar era quase tão útil quanto a habilidade dele de ler a mente de Charlie.
Apesar de as tardes serem a única hora que eu passava longe de Edward, isso já era o suficiente pra me deixar impaciente, e as horas sempre se arrastavam. Mesmo assim, eu agüentava o meu castigo sem reclamar porque - pra começar - eu sabia que tinha merecido, e - pra terminar - porque eu sabia que não podia machucar o meu pai me mudando agora, quando uma separação muito mais permanente se aproximava, invisível pra Charlie, perto no horizonte.
Meu pai se sentou na mesa com um jornal desdobrado e amassado que havia lá; dentro de segundos ele já estava estalando a língua de desaprovação.
"Eu não sei pra quê você lê o jornal, pai. Ele só te tira do sério."
Ele me ignorou, rosnando para o papel em suas mãos.
"É por isso que todo mundo quer viver em cidades pequenas. Ridículo!"
"O que foi que as cidades grandes fizeram de errado agora?"
"Seattle está entrando para a lista das cidades com mais crimes do país. Cinco homicídios sem solução nas últimas duas semanas. Você pode imaginar viver assim?"
"Na verdade, eu acho que Phoenix está mais no topo da lista, pai. Eu vivi assim."
Eu nunca havia chegado perto de ser uma vítima de assassinato antes de vir pra essa pequena cidade segura. Na verdade, eu ainda estava em muitas das listas de perigo... A colher balançou nas minhas mãos, fazendo a água tremer.
"Bem, você não me pagaria o suficiente", Charlie disse.

Eu desisti de salvar o jantar e me sentei pra servi-lo; eu tive que usar uma faca de carne pra cortar uma porção do espaguete pra mim e pra Charlie, enquanto ele observava com uma expressão tímida. Charlie cobriu o seu com molho pra ajudar e começou a escavar. Eu disfarcei o meu com o molho da melhor forma que pude e segui o exemplo dele, sem muito entusiasmo. Nós comemos em silêncio por algum tempo. Charlie ainda estava vasculhando as notícias, então eu peguei a minha cópia muito abusada de O morro dos ventos uivantes de onde eu havia deixado-a no café da manhã e tentei me perder na Inglaterra da virada do século, enquanto eu esperava que ele começasse a falar.
Eu estava exatamente na parte do retorno de Heathcliff quando Charlie limpou a garganta e jogou o jornal no chão.
"Você está certa", Charlie disse. "Eu tenho uma razão pra ter feito isso." Ele acenou com o garfo na direção da mistura grudenta. "Eu queria falar com você."
Eu coloquei o livro de lado; a encadernação estava tão destruída que ela ficou plana na mesa.
"Você podia ter só pedido."
Ele balançou a cabeça, as sobrancelhas juntas.
"É. Eu vou lembrar disso da próxima vez. Eu pensei que te livrar de fazer o jantar ia te amaciar."
Eu ri.
"Deu certo - seus talentos culinários me deixaram molinha feito marshmallow. Do que você precisa, pai?"
"É sobre Jacob."
Eu senti meu rosto endurecer.
"O que tem ele?", eu perguntei através dos lábios rígidos.
"Calma, Bells. Eu sei que você ainda está brava porque ele te dedurou, mas foi a coisa certa. Ele estava sendo responsável."
"Responsável", eu repeti agudamente, rolando os meus olhos. "Certo. Então, o que tem Jacob?"
A pergunta sem importância repetida na minha cabeça não era nada além do trivial.
O que tem Jacob? O que eu ia fazer em relação a ele? Meu ex-melhor amigo que agora era... o que? Meu inimigo? Eu vacilei.
O rosto de Charlie de repente estava cauteloso.
"Não fique brava comigo, ok?"
"Brava?"
"Bem, é sobre Edward também."
Meus olhos se estreitaram.

A voz de Charlie ficou mais áspera.
"Eu deixo ele entrar em casa, não deixo?"
"Você deixa", eu admiti. "Por breves períodos de tempo. É claro, você também me deixa sair de casa por breves períodos de vez em quando", eu continuei - só de piada, eu sabia que ficaria presa enquanto durasse o período escolar. "Eu tenho sido muito boazinha ultimamente."
"Bem, é mais ou menos aí que eu queria chegar com isso..." E depois o rosto de Charlie se arreganhou num sorriso inesperado; por um segundo ele pareceu ser vinte anos mais jovem.
Eu vi o fraco brilho de uma possibilidade naquele sorriso, mas eu prossegui lentamente.
"Eu estou confusa, pai. Nós estamos falando sobre Jacob, Edward ou sobre o meu castigo?"
O sorriso dele brilhou de novo.
"Um pouco dos três."
"E como eles se relacionam?", eu perguntei, cuidadosa.
"Tudo bem", ele suspirou, erguendo as mãos como se estivesse se rendendo. "Então eu acho que talvez você mereça uma condicional por bom comportamento. Para uma adolescente, você é incrivelmente não-reclamona."
Minha voz e minhas sobrancelhas levantaram.
"Sério? Eu estou livre?"
De onde foi que isso veio? Eu pensei que fosse ficar trancada em casa até me mudar de fato, e Edward não havia registrado nenhuma mudança nos pensamentos de Charlie...
Charlie levantou um dedo.
"Condicionalmente."
O entusiasmo desapareceu.
"Fantástico", eu gemi.
"Bella, isso é mais um pedido do que uma ordem, ok? Você está livre. Mas eu espero que você use essa liberdade mais... judicialmente."
"O que isso significa?"
Ele suspirou de novo.
"Eu sei que você fica satisfeita passando todo o seu tempo com Edward -"
"Eu passo tempo com Alice também", eu interferi. A irmã de Edward não tinha horários para visita; ela ia e vinha quando bem entendia. Charlie era como pudim nas mãos capazes dela.
"Isso é verdade", ele disse. "Mas você tem outros amigos além dos Cullen, Bella. Ou costumava ter."
Nós encaramos um ao outro por um momento.
"Quando foi a última vez que você falou com Angela Weber?", ele jogou pra mim.

"Sexta no almoço", eu respondi imediatamente.
Antes da volta de Edward, os meus amigos da escola haviam se polarizado em dois grupos. Eu gostava de pensar neles como grupos de bem vs. mau. Nós e eles funcionava também. Os mocinhos eram Angela, seu namorado Ben Cheney e Mike Newton; esses três haviam muito generosamente me perdoado quando eu enlouqueci porque Edward foi embora. Lauren Mallory era a líder do lado deles, e quase todo mundo, incluindo minha primeira amiga em Forks, Jessica Stanley, parecia seguir a agenda Anti-Bella dela contentemente.
Com Edward de volta a escola, a linha de divisão havia ficado ainda mais distinta. O retorno de Edward havia cobrado um certo pedágio a Mike, mas Angela era inquestionavelmente leal, e Ben a seguia. A despeito da aversão natural que a maioria dos humanos sentia pelos Cullen, Angela sentava-se obrigatoriamente ao lado de Alice todos os dias no almoço. Depois de alguns dias, Angela até começou a parecer confortável lá. Era difícil não se encantar pelos Cullen - quando você dava a um deles a chance de ser encantador.
"Fora da escola?", Charlie perguntou, chamando minha atenção de volta.
"Eu não tenho visto ninguém fora da escola, pai. De castigo, lembra? E Angela tem um namorado também. Ela está sempre com Ben. Se eu realmente estou livre", eu adicionei, pegando pesado no ceticismo, "talvez possamos sair em casais."
"Tudo bem, mas então...", ele hesitou. "Você e Jake costumavam fazer tudo juntos, e agora -"
Eu cortei ele.
"Dá pra você chegar no ponto, pai? Qual é a sua condição - exatamente?"
"Eu não acho que você deveria abandonar os seus amigos pelo seu namorado, Bella", ele disse numa voz dura. "Não é legal, e eu acho que a sua vida estaria mais bem balanceada se houvessem mais algumas pessoas nela. O que aconteceu Setembro passado..." Eu vacilei. "Bem", ele disse defensivamente. "Se você tivesse uma vida além de Edward Cullen, as coisas podiam não ter sido daquele jeito."

"Teria sido exatamente daquele jeito", eu murmurei.
"Talvez sim, talvez não."
"O ponto?", eu lembrei ele.
"Use a sua liberdade pra ver os seus outros amigos também. Equilibre as coisas."
Eu balancei a cabeça lentamente.
"Equilíbrio é bom. No entanto, eu tenho cotas de tempo pra seguir?"
Ele fez uma cara, mas balançou a cabeça.
"Eu não quero complicar as coisas. Só não esqueça os seus amigos - particularmente Jacob."
Eu levei algum tempo pra encontrar as palavras certas.
"Jacob pode ser... difícil."
"Os Black são praticamente da família, Bella", ele disse, dura e paternalmente de novo. "E Jacob foi um amigo muito, muito bom pra você."
"Eu sei disso."
"Você não sente nem um pouco de saudades dele?", Charlie perguntou, frustrado.
Minha garganta pareceu inchar de repente; eu tive que limpá-la duas vezes antes de responder.
"Sim, eu sinto saudades dele", eu admiti, ainda olhando pra baixo. "Eu sinto muita falta dele."
"Então por que é tão difícil?"
Isso não era uma coisa que eu tinha liberdade de explicar. Era contra as regras para as pessoas normais - pessoas humanas como eu e Charlie - saber sobre o mundo clandestino, cheio de mitos e monstros, que existia secretamente ao nosso redor. Eu sabia sobre esse mundo - e eu tinha uma pequena porção de problemas como resultado. Eu não ia envolver Charlie nos mesmos problemas.
"Com Jacob existe um... conflito", eu disse solenemente. "Eu quero dizer, um conflito sobre a coisa da amizade. Amizade não parece ser o suficiente pra Jake."
Eu inventei a minha desculpa baseada em fatos que eram verdadeiros, mas insignificantes, dificilmente tão cruciais se comparados com o fato de que o bando de lobisomens de Jake odiava amargamente a família vampira de Edward – e, portanto, eu também, já que eu estava inteiramente intencionada a me juntar a essa família. Não era uma coisa que eu podia resolver com ele através de um bilhete, e ele não atendia os meus telefonemas.

Mas o meu plano de ir lidar pessoalmente com o lobisomem definitivamente não havia calhado bem com os vampiros.
"Será que Edward não está a fim de um pouco de competição saudável?", a voz de Charlie estava sarcástica agora.
Eu olhei pra ele com um olhar obscuro.
"Não tem competição."
"Você está machucando os sentimentos de Jake evitando-o desse jeito. Ele iria preferir ser seu amigo do que nada."
Oh, agora era eu que o estava evitando?
"Eu tenho certeza absoluta que Jake não quer amizade de jeito nenhum." As palavras queimaram na minha boca. "Afinal, de onde foi que você tirou essa idéia?"
Agora Charlie parecia envergonhado.
"O assunto pode ter aparecido hoje com Billy..."
"Você e Billy fofocam como mulheres velhas", eu reclamei, espetando o meu garfo violentamente no espaguete congelado no meu prato.
"Billy está preocupado com Jacob", Charlie disse. "Jake está passando por um momento difícil agora... Ele está deprimido."
Eu gemi, mas mantive os meus olhos na gororoba.
"E, além do mais, você ficava tão feliz depois de passar o dia com Jake", Charlie suspirou.
"Eu estou feliz agora", eu rosnei ferozmente por entre os dentes.
O contraste entre as minhas palavras e o tom que eu usei quebrou a tensão. Charlie começou a rir, e eu me juntei a ele.
"Ok, ok", eu concordei. "Equilíbrio."
"E Jacob", ele insistiu.
"Eu vou tentar".
"Bom. Encontre esse equilíbrio, Bella. E, oh, é, você tem correspondência", Charlie disse, fechando o assunto sem muitas dificuldades. "Está no balcão."
Eu não me movi, meus pensamentos se moviam como espirais ao redor do nome de Jacob. Provavelmente era só correspondência boba; eu havia acabado de receber um pacote da minha mãe e não estava esperando mais nada.
Charlie empurrou a sua cadeira pra trás e se espreguiçou enquanto ficava de pé. Ele levou seu prato para a pia, mas antes de ligar a água pra lavá-lo, ele pausou e jogou um envelope grosso pra cima de mim. A carta escorregou pela mesa e deu um choque no meu cotovelo.

"Er, obrigada", eu murmurei, confusa pela insistência dele. Aí eu vi o endereço do remetente - a carta era da universidade do Sudeste do Alaska.
"Isso foi rápido. Eu pensei que havia perdido o prazo de entrega dessa também."
Charlie gargalhou.
Eu virei o e

nvelope e olhei pra ele.
"Está aberto."
"Eu estava curioso."
"Eu estou chocada, xerife. Isso é um crime federal."
"Oh, leia logo."
Eu puxei a carta pra fora e encontrei uma agenda dobrada dos cursos.
"Parabéns", ele disse antes que eu pudesse ler alguma coisa. "Sua primeira aceitação."
"Obrigada, pai."
"Nós deveríamos falar sobre o custeamento. Eu tenho algum dinheiro economizado -"
"Ei, ei, nada disso. Eu não vou tocar na sua aposentadoria, pai. Eu tenho os meus fundos para a faculdade." O que restava dele - que já não era muito no começo.
Charlie fez uma carranca.
"Alguns desses lugares são muito caros, Bella. Eu quero ajudar. Você não tem que ir para o Alaska só porque é mais barato."
Não era mais barato, nem um pouco. Mas era longe, e Juneau tinha um normal de trezentos e vinte e um dias nublados por ano. O primeiro era o meu pré-requisito, o segundo era o de Edward.
"Eu já tenho tudo coberto. Além do mais, tem um monte de auxílios financeiros por aí. É fácil ganhar empréstimos." Eu esperava que o meu blefe não fosse óbvio demais. Eu não tinha feito muitas pesquisas sobre o assunto.
"Então...", Charlie começou, e então ele contorceu os lábios e desviou o olhar.
"Então o que?"
"Nada. Eu só estava..." Ele fez uma carranca. "Só me perguntando quais... quais são os planos de Edward para o ano que vem."
"Oh."
"Então?"
As três batidas rápidas na porta me salvaram. Charlie revirou os olhos enquanto eu pulava pra ficar de pé.
"Já vou!", eu gritei enquanto Charlie murmurava alguma coisa parecida com "Vá embora". Eu o ignorei e segui em frente pra deixar Edward entrar.
Eu tirei a porta do caminho - ridiculamente ansiosa - e lá estava ele, o meu milagre pessoal.

O tempo não me fez imune à perfeição do rosto dele, e eu tinha certeza de que nunca iria me acostumar com nenhum dos aspectos dele. Meus olhos observaram suas feições pálidas: sua dura mandíbula quadrada, a curva mais suave dos seus lábios cheios - que agora estavam curvados pra cima num sorriso, a linha reta do nariz dele, o ângulo das maçãs do rosto dele, a envergadura da sua testa macia de mármore - parcialmente obscurecida por uma mecha de cabelos cor de bronze escurecidos pela chuva...
Eu deixei seus olhos por último, sabendo que quando eu olhasse dentro deles haveria uma grande possibilidade de eu perder a linha de raciocínio. Eles estavam grandes, quentes com um dourado derretido, e moldados por uma linha de cílios grossos. Olhar dentro dos olhos dele sempre faziam eu me sentir extraordinária - como se os meus ossos estivessem como esponja. Eu também ficava com a cabeça meio leve, mas isso podia ser porque eu esquecia de respirar. De novo.
Era o rosto pelo qual qualquer modelo daria a sua alma pra ter. É claro, esse podia ser exatamente o preço pedido: uma alma.
Não. Eu não acreditava nisso. Eu me sentia culpada só de pensar nisso, e eu estava feliz - assim como estava frequentemente feliz - por ser a única pessoa cujos pensamentos eram um mistério pra Edward.
Eu inclinei minha mão e suspirei quando os dedos frios dele encontraram os meus. O toque dele trouxe a sensação mais estranha de alívio - como se eu estivesse sentindo dor e essa dor houvesse cessado de repente.
"Oi", eu sorri um pouco com a minha saudação anti-climática.
Ele ergueu as nossas mãos entrelaçadas pra tocar a minha bochecha com as costas da mão dele.
"Como foi a sua tarde?"
"Lenta."
"Pra mim também."
Ele puxou o meu pulso para o rosto dele, nossas mãos ainda entrelaçadas. Os olhos dele se fecharam enquanto o nariz dele alisava a pele de lá, e ele sorriu gentilmente sem abri-los. Aproveitando o buquê enquanto resistia ao vinho, como ele havia colocado uma vez.

Eu sabia que o cheiro do meu sangue - muito mais doce pra ele do que o cheiro do sangue de qualquer outra pessoa, realmente como o vinho em vez de água para um alcoólatra – causava a ele verdadeira dor pela sede que acarretava. Eu podia apenas imaginar o esforço Herculano por trás desse simples gesto. Eu fiquei triste por ele ter que tentar tanto. Eu me confortei com o fato de que eu não causaria mais dor a ele por muito tempo.
Nessa hora eu ouvi Charlie se aproximando, batendo os pés no caminho com o seu desprazer de costume com a nossa visita. Edward abriu os olhos e deixou as nossas mãos caírem, mantendo-as entrelaçadas.
"Boa noite, Charlie", Edward era sempre impecavelmente educado, apesar de Charlie não merecer isso. Charlie grunhiu pra ele e ficou em pé onde estava, com os braços cruzados no peito. Ele estava levando o conceito de supervisão paterna aos extremos ultimamente.
"Eu trouxe outras inscrições", Edward me disse nessa hora, levantando um bolo de papéis envelopados. Ele estava usando um rolo de selos como se fosse um anel no seu dedo mindinho.
Eu gemi. Como é que podiam ainda haver faculdades às quais ele já não tivesse me obrigado a me inscrever? Como é que ele continuava encontrando essas vagas em aberto? O ano já estava muito atrasado.
Ele sorriu como se pudesse ler os meus pensamentos; eles deviam estar óbvios no meu rosto.
"Ainda haviam prazos de inscrição em aberto. E alguns lugares a fim de fazer exceções..."
Eu podia imaginar as motivações pra essas exceções. E os montes de dólares envolvidos. Edward riu da minha expressão.
"Vamos lá?", ele perguntou, me levando em direção à mesa da cozinha.
Charlie ficou mal-humorado e seguiu atrás, apesar de ele não poder reclamar da agenda de atividades de hoje. Ele vivia me enchendo pra tomar uma decisão sobre a faculdade todos os dias.
Eu limpei a mesa rapidamente enquanto Edward organizava uma pilha intimidante de formulários. Quando eu movi O morro dos ventos uivantes pra cima do balcão, Edward ergueu uma sobrancelha.

Eu sabia o que ele estava pensando, mas Charlie interrompeu antes que Edward pudesse comentar.
"Falando em inscrições para a faculdade, Edward", Charlie disse, seu tom ainda mais solene - ele tentava evitar se dirigir pra Edward diretamente, e, quando ele tinha que fazê-lo, isso exacerbava o seu humor. "Bella e eu estávamos falando sobre o ano que vem. Você já decidiu onde vai estudar?"
Edward sorriu pra Charlie e a voz dele estava amigável.
"Ainda não. Eu recebi algumas cartas de aceitação, mas eu ainda estou pensando as minhas opções."
"Onde você foi aceito?", Charlie pressionou.
"Syracuse... Harvard... Dartmouth... e eu acabei de ser aceito na faculdade do Sudeste do Alaska hoje."
Edward virou levemente a sua cabeça pra o lado pra poder piscar pra mim. Eu prendi uma gargalhada.
"Harvard? Dartmouth?", Charlie murmurou, incapaz de esconder a sua admiração. "Bem, isso é muito... isso é interessante. É, mas a Universidade do Alaska... você realmente está considerando isso quando pode ir para a Ivy League? Quer dizer, o seu pai iria querer que..."
"Carlisle sempre está de acordo com qualquer escolha que eu fizer", Edward disse a ele serenamente.
"Hmph."
"Adivinhe, Edward?", eu pedi com uma voz brilhante, entrando na brincadeira.
"O que, Bella?"
Eu apontei para o grosso envelope no balcão.
"Eu acabei de receber a minha carta de aceitação da Universidade do Alaska!"
"Parabéns", ele deu um sorriso largo. "Que coincidência."
Os olhos de Charlie se estreitaram e ele olhou pra frente e pra trás entre nós.
"Tá bom", ele murmurou depois de um minuto. "Eu vou assistir o jogo, Bella. Nove e meia."
"Er, pai? Lembra o que nós discutimos sobre a minha liberdade...?"
Ele suspirou.
"Certo. Ok, dez e meia. Você ainda tem o toque de recolher nas noites de aula."
"Bella não está mais de castigo?", Edward perguntou. Apesar de saber que ele não estava realmente surpreso, eu não consegui detectar nenhum sinal de falsa excitação na voz dele.

"Condicionalmente", Charlie corrigiu através dos dentes. "O que você tem com isso?"
Eu fiz uma carranca para o meu pai, mas ele não viu.
"Só é bom saber", Edward disse. "Alice está louca pra arranjar uma parceira de compras, e eu tenho certeza de que Bella adoraria ver as luzes da cidade", ele sorriu pra mim.
Mas Charlie rosnou.
"Não!", e o rosto dele ficou roxo.
"Pai! Qual é o problema?"
Ele fez um esforço pra destrincar os dentes.
"Eu não quero que você vá a Seattle agora."
"Huh?"
"Eu te disse sobre a história no jornal - tem alguma espécie de gangue fazendo uma matança em Seattle e eu quero que você mantenha a distância, ok?"
Eu rolei os meus olhos.
"Pai, existe uma chance maior de eu ser atingida por um raio do que eu passar um dia em Seattle e -"
"Não, está tudo bem, Charlie", Edward disse, me interrompendo. "Eu não me referia a Seattle. Eu estava pensando em Portland, na verdade. Eu também não levaria Bella a Seattle. É claro que não."
Eu olhei pra ele sem acreditar, mas ele estava com o jornal de Charlie nas mãos e lia a primeira página atentamente.
Ele devia estar tentando aplacar o meu pai. A idéia de estar em perigo mesmo por causa do mais letal dos humanos estando na companhia de Alice ou Edward era hilária.
Funcionou. Charlie olhou pra Edward por mais ou segundo, e depois levantou os ombros.
"Tudo bem." Ele saiu na direção da sala de estar, agora com um pouco de pressa - talvez ele não quisesse perder o início do jogo.
Eu esperei até que a TV estivesse ligada, pra que Charlie não pudesse me ouvir.
"O que -", eu comecei a perguntar.
"Espere", Edward disse sem tirar os olhos do jornal. Os olhos dele continuaram focados na primeira página enquanto ele empurrava a primeira inscrição na minha direção pela mesa. "Eu acho que você pode reutilizar os seus ensaios nessa. As mesmas perguntas."

Charlie ainda devia estar ouvindo. Eu suspirei e comecei a responder as perguntas repetitivas: nome, endereço, social... Depois de alguns minutos, eu olhei pra cima, mas agora Edward estava olhando perseverantemente pela janela.
Enquanto eu baixava a minha cabeça de volta para o meu trabalho, eu percebi pela primeira vez o nome da escola.
Eu bufei e coloquei os papeis de lado.
"Bella?"
"Fala sério, Edward. Dartmouth?"
Edward levantou as inscrições descartadas e as colocou gentilmente na minha frente novamente.
"Eu pensei que você gostaria de New Hampshire", ele disse. "Há muitas coisas pra eu fazer durante a noite, e as florestas estão convenientemente localizadas para os praticantes ávidos de caminhadas. Bastante vida selvagem." Ele deu o riso torto ao qual ele sabia que eu não podia resistir.
Eu respirei profundamente pelo nariz.
"Eu deixo você pagar, se isso te deixa feliz", ele prometeu. "Se você quiser, eu posso custear o seu interesse."
"Como se eu fosse conseguir entrar sem um enorme suborno. Ou isso foi parte do empréstimo? Uma nova ala dos Cullen para a biblioteca? Ugh! Por que é que estamos tendo essa discussão de novo?"
"Será que dá pra você responder a inscrições, por favor, Bella? Se inscrever não vai te machucar."
Minha mandíbula flexionou-se.
"Quer saber? Eu não acho que vá."
Eu peguei os papéis, planejando colocá-los numa pilha que coubesse direitinho na lata de lixo, mas eles já tinham desaparecido. Eu olhei para a mesa vazia por um momento, e depois pra Edward. Ele não parecia ter se movido, mas as inscrições provavelmente já estavam enfiadas embaixo do casaco dele.
"O que você está fazendo?", eu quis saber.
"Eu sei assinar o seu nome melhor que você. Você já escreveu os ensaios."

"Você está indo longe demais com isso, sabe", eu sussurrei, pela chance improvável de que Charlie não estivesse completamente compenetrado em seu jogo. "Eu não preciso me inscrever pra nada. Eu já fui aceita no Alaska. Eu quase já posso pagar pelo primeiro mês de estudos. Ele é um álibi tão bom quanto qualquer outro. Não há necessidade de jogar fora um bolo de dinheiro, não importa de quem ele seja."
Um olhar de dor espremeu o rosto dele.
"Bella -"
"Não comece. Eu concordo que eu tenha que passar por essas fases por Charlie, mas nós dois sabemos que eu não estarei em condições de estudar no próximo outono. Ficar perto de pessoas."
Meu conhecimento desses primeiros anos como vampira eram incompletos. Edward nunca entrava nos detalhes - esse não era o assunto favorito dele -, mas eu sabia que não era nada bonito. Auto-controle aparentemente era uma habilidade requerida. Qualquer coisa que não estivesse ligada a escola por correspondência estava fora de questão.
"Eu pensei que o timing ainda não estivesse decidido", Edward me lembrou suavemente. "Você pode gostar de um semestre ou dois na faculdade. Ainda existem muitas experiências humanas que você nunca teve."
"Eu irei vivê-las depois."
"Depois elas não serão experiências humanas. Você não terá uma segunda chance para a humanidade, Bella."
Eu suspirei.
"Você precisa ser razoável com o tempo, Edward. É muito perigoso brincar com ele."
“Não há perigo ainda”, ele insistiu.
Eu encarei-o. Sem perigo? Claro. Eu só tinha uma vampira sádica me perseguindo pra vingar a morte do parceiro dela com a minha própria morte, preferivelmente utilizando usando algum método lento e torturante. Quem estava preocupado com Victoria? E, oh, é, os Volturi - a família real de vampiros com o seu pequeno exército de guerreiros vampiros - que insistiam em fazer meu coração parar de bater de uma forma ou de outra num futuro próximo, porque nenhum humano tinha permissão de saber que eles existiam. Certo. Absolutamente nenhuma razão pra entrar em pânico.

Mesmo com Alice continuando a observar - Edward estava se valendo das suas visões apuradas do futuro pra nos dar um aviso -, era uma insanidade contar com a sorte.
Além do mais, eu já tinha ganhado essa discussão. A data para a minha transformação estava tentadoramente marcada pra pouco depois da minha formatura no segundo grau, em apenas algumas semanas.
Uma afiada pontada de enjôo perfurou meu estômago quando eu percebi o quão curto o tempo realmente era. Claro que esta mudança era necessária - é a chave para o que eu mais quero que tudo no mundo reunido - mas eu estava profundamente consciente de Charlie, sentado no outro quarto desfrutando o jogo dele, só ao vivo a cada duas noites. E minha mãe, Renee, longe na Flórida ensolarada, que ainda suplica para eu passar o verão na praia com ela e o novo marido dela.
E Jacob, que, diferente dos meus pais, saberia exatamente o que ia acontecer comigo quando eu desaparecesse para alguma escola distante. Se os meus pais não ficassem suspeitando depois de muito tempo, mesmo que eu pudesse evitar visitas com desculpas sobre custos da viagem, muito pra estudar ou doença, Jacob saberia da verdade.
Por um momento, a dor da repulsa de Jacob ultrapassou qualquer outra dor.
"Bella", Edward murmurou, o rosto dele se contorcendo quando ele leu a angústia no meu. "Não tem pressa. Eu não vou deixar ninguém te machucar. Você pode usar de todo o tempo que precisar."
"Eu quero me apressar", eu sussurrei, sorrindo fracamente, tentando fazer piada do assunto. "Eu quero ser um monstro também."
Os dentes dele se trincaram; ele falou entre eles.
"Você não faz idéia do que está dizendo." Abruptamente ele jogou o jornal amassado na mesa entre nós. Os dedos dele bateram na linha principal na primeira página:


CRESCE O ÍNDICE DE MORTE, POLÍCIA TEME ATIVIDADE DE GANGUE


"O que isso tem a ver com alguma coisa?"
"Monstros não são uma piada, Bella."
Eu olhei para a manchete de novo, e depois para a sua expressão dura.
"Um... vampiro está fazendo isso?", eu sussurrei.

Ele sorriu sem humor, sua voz estava baixa e fria.
"Você ficaria surpresa, Bella, por saber o quão frequentemente a minha espécie está envolvida nessas horrorosas manchetes humanas. É fácil reconhecer, quando você sabe o que procurar. A informação aqui indica que há um vampiro recém nascido em Seattle. Sedento por sangue, selvagem, fora de controle. Do jeito que todos nós somos."
Eu deixei os meus olhos caírem para o papel de novo, evitando os olhos dele.
"Nós estivemos monitorando a situação por algumas semanas. Todos os sinais estão aí - os desaparecimentos improváveis, os cadáveres mal dispostos, a falta de outras provas... Sim, alguém ainda novo. E ninguém parece estar se responsabilizando pelo neófito...", ele respirou fundo. "Bem, não é problema nosso. Nós nem prestaríamos atenção nessa situação se não fosse tão próximo de casa. Como eu disse, isso acontece o tempo inteiro. A existência de monstros resulta em conseqüências monstruosas."
Eu tentei não ver os nomes na página, mas eles se destacavam das outras palavras na folha como se estivessem em negrito. As cinco pessoas cujas vidas estavam acabadas, cujas famílias estavam de luto agora. Era diferente considerar a forma abstrata dos assassinatos lendo esses nomes agora. Maureen Gardiner, Geoffrey Campbell, Grace Razi, Michelle O' Connell, Ronald Albrook. Pessoas que tinham pais e filhos e amigos e bichos de estimação e empregos e esperanças e planos e memórias e futuros...
"Não será o mesmo pra mim", eu cochichei, meio pra mim mesma. "Você não vai me deixar ser assim. Vamos morar na Antártida."
Edward bufou, quebrando a tensão.
"Pingüins. Adorável."
Eu dei uma gargalhada tremendo e joguei o jornal pra fora da mesa pra que eu não pudesse mais ver aqueles nomes; ele bateu na madeira com um estrondo. É claro que Edward iria considerar as opções de caça. Ele e a sua família "vegetariana" - todos compromissados a proteger vidas humanas - preferiam o sabor de grandes predadores pra satisfazer as necessidades de sua dieta.

"Alaska, então, como o planejado. Só que um lugar muito mais remoto que Juneau - algum lugar com ursos pardos."
"Melhor", ele permitiu. "Lá tem ursos polares também. Muito furiosos. E os lobos ficam muito grandes."
Minha boca se abriu e a respiração saiu numa contração afiada.
"Qual é o problema?", ele perguntou. Antes que eu pudesse me recuperar, a confusão desapareceu do rosto dele e o corpo inteiro dele pareceu ficar duro.
"Oh. Esqueça dos lobos então, se a idéia te ofende", a voz dele estava dura, formal, seus ombros estavam rígidos.
"Ele era o meu melhor amigo, Edward", eu murmurei. Eu fiquei machucada por usar o tempo passado. "É claro que a idéia me ofende."
"Por favor, perdoe a minha falta de consideração", ele disse, ainda muito formal. "Eu não deveria ter sugerido isso."
"Não se preocupe com isso", eu olhei para as minhas mãos, fechadas nos meus pulsos em cima da mesa.
Nós dois ficamos em silêncio por um momento, e depois seu dedo frio estava embaixo do meu queixo, levantando o meu rosto. A expressão dele estava muito mais suave agora.
"Desculpe. Mesmo."
“Eu sei. Eu sei que não é a mesma coisa. Eu não devia ter reagido daquele jeito. É só que... bem, eu já estava pensando em Jacob antes de você chegar." Eu hesitei. Seus olhos pareciam sempre ficar um pouco mais escuros quando eu falava o nome de Jacob. Em resposta, a minha voz se tornou implorativa. "Charlie disse que Jake está passando por dificuldades. Ele está machucado agora, e... é minha culpa."
"Você não fez nada errado, Bella."
Eu respirei fundo.
"Eu preciso melhorar as coisas, Edward. Eu devo isso a ele. E, além do mais, é uma das condições de Charlie-"
O rosto dele mudou enquanto eu falava, ficando duro de novo, como estátua.
"Você sabe que está fora de questão você ficar perto de um lobisomem desprotegida, Bella. E se algum de nós passasse as barreiras das terras deles, estaria quebrando o acordo. Você quer que nós comecemos uma guerra?"
"É claro que não!"

"Então não há nenhum sentido em levar essa discussão adiante." Ele deixou a mão cair e desviou o olhar, procurando por uma mudança de assunto. Os olhos dele pararam em alguma coisa atrás de mim, e ele sorriu, apesar dos olhos dele estarem cautelosos.
"Eu fico feliz que Charlie tenha deixado você sair - você está precisando tristemente fazer uma visita a uma livraria. Eu não posso acreditar que você está lendo O morro dos ventos uivantes de novo. Você já não sabe ele de cor?"
"Nem todos nós temos memória fotográfica", eu disse curtamente.
"Com memória fotográfica ou não, eu não entendo por que você gosta disso. Os personagens são só pessoas que arruínam a vida uns dos outros. Eu não consigo entender como Heathcliff e Cathy acabaram sendo comparados a casais como Romeu e Julieta ou Elizabeth Bennett e Sr. Darcy. Essa não é uma história de amor, é uma história de ódio."
"Você tem sérios problemas com os clássicos", eu disparei.
"Talvez seja porque eu não fico impressionado com antiguidades."
Ele sorriu, evidentemente satisfeito por ter me distraído.
"No entanto, honestamente, por que é que você lê isso de novo e de novo?" Os olhos dele estavam vívidos com real interesse agora, tentando - de novo - desvendar os complicados trabalhos da minha mente. Ele se inclinou na mesa pra pegar o meu rosto nas mãos dele. "Por que isso é apelativo pra você?"
A sincera curiosidade dele me desarmou.
"Eu não tenho certeza", eu disse, lutando pra ser coerente enquanto o olhar dele não intencionalmente confundia os meus pensamentos. "É alguma coisa relacionada a inevitabilidade. Como nada consegue mantê-los separados - nem o egoísmo dela, nem o mau dele, e no fim, nem mesmo a morte..."
O rosto dele estava pensativo enquanto ele pensava nas minhas palavras. Depois de um momento, ele deu um sorriso de zombaria.
"Eu ainda preferiria se um deles tivesse uma qualidade que os redimisse."
"Eu acho que é disso que eu estou falando", eu discordei. "O amor deles é a única qualidade que os redime."

"Eu espero que você tenha mais senso que isso - se apaixonar por alguém tão... maligno."
"É um pouco tarde pra me preocupar com a pessoa pela qual eu vou me apaixonar", eu apontei. "Mas mesmo sem o aviso, eu pareço ter me saído muito bem."
Ele riu baixinho.
"Eu me alegro que você pense isso."
"Bem, eu espero que você seja esperto o suficiente pra ficar longe de alguém tão egoísta. A fonte de todo o problema na verdade é Catherine, não Heathcliff."
"Eu vou ficar de olho", ele prometeu.
Eu suspirei. Ele era muito bom com distrações.
Eu coloquei a minha mão em cima da dele pra segurá-la no meu rosto.
"Eu preciso ver Jacob."
Ele fechou os olhos.
"Não."
"Não é assim tão perigoso", eu disse, implorando de novo. "Ei, eu costumava passar o tempo inteiro em La Push com eles e nada nunca aconteceu."
Mas eu cometi um deslize: minha voz falhou no final, porque eu me dei conta de que estava dizendo palavras que não eram verdade. Não era verdade que nada nunca aconteceu. Um breve flash de memória - um enorme lobo cinza se preparando pra saltar, mostrando seus dentes afiados como facas pra mim - fez as palmas das minhas mãos suarem com o eco do pânico relembrado.
Edward ouviu o meu coração acelerar e balançou a cabeça como se eu tivesse desmentido tudo em voz alta.
"Lobisomens são instáveis. Às vezes as pessoas que estão por perto acabam se machucando. Às vezes, elas morrem."
Eu queria negar isso, mas outra imagem parou a minha resposta. Eu vi em minha cabeça o rosto da um dia linda Emily Young, agora marcada por um trio de cicatrizes escuras que arrastavam o canto do seu olhos direito e da sua boca que ficaram presos pra sempre numa careta permanente.
Ele esperou, presumidamente triunfante, que eu encontrasse a minha voz.
"Você não os conhece", eu sussurrei.
"Eu os conheço melhor do que você pensa, Bella. Eu estava lá da última vez."
"Da última vez?"

"Nós começamos a cruzar caminhos com os lobisomens há cerca de setenta anos... Nós havíamos acabado de chegar em Hoquiam. Isso foi antes de Alice e Jasper estarem conosco. Nós éramos um número maior que eles, mas isso não impediria que a coisa se tornasse uma briga se não fosse por Carlisle. Ele conseguiu convencer Ephraim Black de que coexistir era possível, e eventualmente nós fizemos a trégua."
O nome do bisavô de Jacob me surpreendeu.
"Nós pensamos que a linhagem havia morrido com Ephraim", Edward murmurou; agora parecia que ele estava falando pra si mesmo. "Pensamos que a genética que permite a mutação estava perdida..." Ele parou e olhou pra mim acusadoramente. "A sua má sorte parece ficar mais forte a cada dia. Será que você se dá conta de que sua tendência insaciável a todas as coisas letais foi forte o suficiente pra recuperar um bando de caninos mutantes em extinção? Se nós pudéssemos colocar a sua má sorte em uma garrafa, nós teríamos uma arma de destruição em massa em nossas mãos."
Eu ignorei a piada, minha atenção ficou presa na suposição dele - ele estava falando sério?
"Mas não fui eu quem os trouxe de volta. Você não sabe?"
"Sabe do que?"
"A minha má sorte não tem nada a ver com isso. Os lobisomens voltaram porque os vampiros voltaram."
Edward me encarou, seu corpo ficou imóvel com a surpresa.
"Jacob me disse que a sua família estar aqui fez as coisas se movimentarem. Eu pensei que você já sabia..."
Os olhos dele se estreitaram.
"É isso que eles pensam?"
"Edward, olhe para os fatos. Há setenta anos atrás você veio pra cá e os lobisomens apareceram também. Você voltou agora e os lobisomens apareceram de novo. Você acha que é coincidência?"
Ele piscou e o seu olhar relaxou.
"Carlisle ficará interessado nessa teoria."
"Teoria", eu zombei.
Ele ficou em silêncio por um momento, olhando pela janela para a chuva; eu imaginei que ele estava contemplando a idéia de que a presença dele e de sua família estava transformando os moradores locais em cachorros gigantes.

"Interessante, mas não exatamente relevante", ele murmurou de repente. "A situação continua a mesma."
Eu podia traduzir isso facilmente: nada de amigos lobisomens.
Eu sabia que tinha de ser paciente com Edward. Não era que ele não estava sendo razoável, é só que ele não conseguia entender. Ele não fazia idéia do quanto eu devia a Jacob Black - minha vida muitas vezes acabada, e possivelmente a minha sanidade também. Eu não queria mais falar desses tempos estéreis, e Edward especialmente também não. Ele estava apenas tentando me salvar quando foi embora, tentando salvar minha alma.
Eu não o responsabilizava por todas as coisas estúpidas que havia feito na ausência dele, ou pela dor que eu sofri. Ele se responsabilizava.
Então eu teria que colocar a minha explicação em palavras muito cuidadosamente. Eu me levantei e rodeei a mesa, ele abriu os braços e eu me sentei no colo dele, me aconchegando no seu abraço frio como pedra. Eu olhei para as mãos dele enquanto falava.
"Por favor, me ouça por um minuto. Isso é muito mais do que um gesto de caridade com um amigo antigo. Jacob está sofrendo." Minha voz se contorceu na palavra. "Eu não posso não tentar ajudá-lo - eu não posso desistir dele agora, quando ele precisa de mim. Só porque ele não é humano o tempo inteiro... Bem, ele estava lá por mim quando eu estava..." Eu hesitei. Os braços de Edward estavam rígidos ao meu redor; as mãos dele estavam nos punhos agora, os tendões dele se destacam. "Se Jacob não tivesse me ajudado... Eu não tenho certeza do que você encontraria ao voltar pra casa. Eu tenho que tentar melhorar as coisas. Eu devo-lhe mais que isso, Edward."
Eu olhei para o rosto dele cautelosamente. Os olhos dele estavam fechados e a mandíbula dele estava trincada.
"Eu nunca vou me perdoar por ter te deixado", ele murmurou, "Nem se eu viver cem mil anos."
Eu coloquei a minha mão no seu rosto frio e esperei até que ele suspirou e abriu os olhos.

"Você só estava tentando fazer a coisa certa, e eu tenho certeza de que teria funcionado com alguém menos louco que eu. Além do mais, você está aqui agora. Essa é a parte que importa."
"Se eu não tivesse ido embora, você não estaria tendo que arriscar sua vida pra confortar um cachorro."
Eu vacilei. Eu estava acostumada a Jacob e os seus apelidos pejorativos - sugador de sangue, sanguessuga, parasita... De alguma forma, eles pareciam mais ofensivos na voz aveludada de Edward.
"Eu não sei como frasear isso apropriadamente", Edward disse, e o tom dele ficou vazio. "Vai soar cruel, eu acho. Mas eu já cheguei perto de te perder no passado. Eu sei como me sinto só de pensar nisso. Eu não vou tolerar nada perigoso."
"Você precisa confiar em mim nisso. Eu vou ficar bem."
O rosto dele demonstrou dor de novo.
"Por favor, Bella", ele sussurrou.
Eu olhei dentro dos seus olhos dourados, repentinamente flamejantes. "Por favor o que?"
"Por favor, por mim. Faça um esforço consciente pra se manter em segurança. Eu farei tudo o que puder, mas eu apreciaria um pouco de ajuda."
"Eu vou trabalhar nisso", eu murmurei.
"Você realmente tem alguma idéia do quanto é importante pra mim? Algum conceito do quanto eu te amo?" Ele me segurou com mais força contra o peito, colocando a minha cabeça embaixo do queixo dele.
Eu pressionei meus lábios no pescoço frio como neve dele.
"Eu sei o quanto eu amo você", eu respondi.
"Você está comparando uma pequena árvore a uma floresta inteira."
Eu revirei meus olhos, mas ele não podia ver.
"Impossível.”
Ele beijou o topo da minha cabeça e suspirou.
"Nada de lobisomens."
"Eu não vou seguir isso. Eu tenho que ver Jacob."
"Então eu vou ter que te impedir."
Ele parecia extremamente confiante de que isso não seria um problema.
Eu tinha certeza de que ele estava certo.
"Nós veremos isso", eu blefei do mesmo jeito. "Ele ainda é meu amigo."

Eu podia sentir o bilhete de Jacob no meu bolso, como se de repente ele pesasse dez quilos. Eu podia ouvir as palavras na voz dele, e ele parecia concordar com Edward - coisa que jamais aconteceria na realidade.

Isso não muda nada. Desculpe.

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