domingo, 24 de fevereiro de 2013


Capítulo 4

4. O despertar [Lua nova]

O tempo passa. Mesmo quando isso parece impossível. Mesmo quando cada tique do relógio faz sua cabeça doer como se fosse um fluxo de sangue passando por uma ferida.
Ele passa desigual, em estranhos solavancos e levando a calmaria embora, mas ele passa.

Mesmo pra mim.














O pulso de Charlie bateu na mesa.
"É isso, Bella! Eu vou te mandar pra casa".
Eu olhei pra cima desviando meus olhos do cereal, que eu estava mais cutucando do que comendo, e olhei pra Charlie chocada.
Eu não estava acompanhando a conversa - na verdade eu nem tinha reparado que eestávamos tendo uma conversa - e eu não tinha certeza do que ele queria dizer.
"Eu estou em casa", eu murmurei, confusa.
"Eu vou te mandar pra Renée, pra Jacksonville", ele esclareceu.
Charlie observou exasperado enquanto eu lentamente me dava conta do sentido das suas palavras.
"O que foi que eu fiz?", eu sentí meu rosto se amassar. Isso era tão injusto. Meu comportamento esteve acima de qualquer reprimenda nesses últimos quatro meses. Depois daquela primeira semana, que nenhum de nós mencionou, eu não perdí nem um dia de aula ou de trabalho. Minhas notas estavam perfeitas. Eu nunca desrespeitei o toque de recolher - eu nunca ia pra lugar nenhum pra quebrar o toque de recolher em primeiro lugar. Eu muito raramente servia sobras.
Charlie fez uma carranca.
"Você não fez nada. Esse é o problema. Você nunca faz nada".
"Você quer que eu me envolva em problemas?" Eu me perguntei, minhas sobrancelhas ficando juntas de mistificação. Eu fiz um esforço pra prestar atenção. Não era fácil. Eu estava tão acostumada a desligar as coisas, meus ouvidos estavam desacostumados.
"Problema seria melhor do que isso... essa amorfinação o tempo inteiro!"
Isso me deixou com um pouco de remorso. Eu fui tão cuidadosa pra evitar de todas as formas parecer sombria, morfinação incluído.
"Eu não estou amorfinada".
"Palavra errada", ele concedeu mal humorado. "Amorfinação seria melhor - isso seria fazer alguma coisa. Você só está... sem vida, Bella".
"Eu acho que essa é a palavra que eu quero".
Essa acusação fez a ficha cair. Eu suspirei e tentei colocar alguma animação na minha resposta.
"Me desculpe, pai" Minhas desculpas pareceram um pouco vazias, até pra mim. Eu pensei que estivesse enganando ele. Manter Charlie longe do sofrimento era o único motivo pra todo esse esforço. Que deprimente pensar que todo o esforço foi em vão.
"Eu não quero que você se desculpe".
Eu suspirei. "Então me diga o que você quer que eu faça".
"Bella", ele hesitou, observando a minha reação ás suas próximas palavras. "Querida, você não é a primeira pessoa que passa por esse tipo de coisa, sabe".
"Eu sei disso" A careta que se seguiu as minhas palavras foi flácida e sem impressão.
"Escute, querida. Eu acho que - talvez você precise de ajuda"
"Ajuda?"
Ele pausou, procurando pelas palavras de novo. "Quando sua mãe foi embora", ele começou, fazendo uma careta, "e levou você com ela". Ele inalou profundamente, "Bem, foi um momento muito ruim pra mim".
"Eu sei, pai", eu murmurei.
"Mas eu lidei com isso", ele apontou. "Querida, você não está lidando com isso. Eu esperei, eu tinha esperanças de que você fosse melhorar". Ele olhou pra mim e eu olhei pra baixo rapidamente. "Eu acho que nós dois sabemos que isso não está melhorando".
"Eu estou bem".
Ele me ignorou. "Talvez, bem, se você falasse com alguém sobre isso. Um profissional".
"Você quer que eu veja um terapeuta?" Minha voz ficou mais afiada enquanto eu me dava conta de onde ele estava querendo chegar.
"Talvez isso ajudasse".
"E talvez isso não ajudasse nem um pouquinho."
Eu não sabia muito sobre psicoanálises, mas eu sabia que não iria funcionar a menos que o assunto fosse relativamente honesto. Claro, eu podia contar a verdade- se quisesse passar o resto da minha vida numa cela acolchoada.
Ele examinou minha expressão obstinada, e mudou para outra linha de ataque.
"Isso está além de mim, Bella. Talvez sua mãe -"
"Olha", eu disse com uma voz plana. "Eu vou sair essa noite, se você quer. Eu ligo pra Jess ou pra Angela".
"Não é isso que eu quero", ele discutiu, frustrado. "Eu não acho que conseguirei vendo você tentar ainda mais. Doi só de olhar".
Eu fingí ser densa, olhando pra baixo pra mesa.
"Eu não entendo, pai. Primeiro você fica bravo porque eu não estou fazendo nada, e então você diz que não quer que eu saia".
"Eu só quero que você seja feliz - não, nem isso tudo. Eu só não quero que você esteja triste. Eu acho que você terá uma chance melhor se sair de Forks".
Meus olhos se lançaram pra cima com uma pequena centelha de sentimento que eu não teria muito tempo pra pensar.
"Eu não vou embora", eu disse.
"Porque não?", ele quis saber.
"Eu estou no último semestre da escola - isso ia estragar tudo".
"Você é uma boa aluna - você dá um jeito".
"Eu não quero aglomerar mamãe e Phil"
"Sua mãe está morrendo pra você voltar".
"A Flórida é quente demais".
O punho dele bateu na mesa de novo. "Nós dois sabemos o que está acontecendo aqui, Bella, e isso não é bom pra você". Ele respirou fundo. "Já se passaram meses. Nada de ligações, nada de cartas, nenhum contato. Você não pode continuar esperando por ele".
Eu olhei pra ele. O calor quase, mas não completamente, alcançou meu rosto. Já fazia muito tempo que eu não corava com nenhuma emoção.
Esse assunto todo era completamente proibido, e ele sabia muito bem.
"Eu não estou esperando nada. Eu não espero nada". Eu disse num tom baixo e uniforme.
"Bella -", Charlie começou, com a voz grossa.
"Eu tenho que ir para a escola", eu interrompí, me levantando e puxando o meu café da manhã intocado da mesa. Eu joguei minha tigela na pia sem parar pra lavá-la. Eu não podia mais lidar com essa conversa.
"Eu farei planos com Jéssica", eu falei por cima do ombro enquanto pegava minha mochila da escola, sem olhar pros olhos dele. "Talvez eu não volte pra casa pra o jantar. Nós iremos pra Port Angeles e assistiremos um filme".
Eu já tinha saído pela porta da frente antes que ele pudesse reagir.
Na minha pressa de fugir de Charlie, eu acabei sendo uma das primeirar a chegar na escola. O lado bom disso é que eu encontrei uma vaga muito boa no estacionamento. O lado ruim era que eu tinha muito tempo livre nas mãos, e eu tentava evitar ter tempo livre a qualquer custo.
Rapidamente, antes que eu pudesse pensar nas acusações de Charlie, eu puxei meu livro de Calculo. Eu o abrí na seção que deveríamos estar começando hoje, e tentei entender alguma coisa. Ler matemática era ainda pior do que ouvir, mas eu estava ficando melhor nisso. Nós últimos meses, eu gastei dez vezes mais tempo com Cálculo do que eu já havia gastado com Matemática em toda a minha vida. Como resultado, eu estava conseguindo manter um alto 10. Eu sabia que o Sr. Varner sentia que a minha melhora provinha dos seus métodos superiores de ensino. E se isso fazia ele se sentir feliz, eu não ia estourar a bola dele.
Eu continuei entretida nisso até que o estacionamento já estava lotado, e eu acabei tendo que me apressar para a aula de Inglês. Nós estávamos trabalhando com Animais de fazenda, um assunto muito fácil. Eu não me importava com o comunismo; e foi uma mudança bem vinda de todos aqueles romances exautivos que ficavam bem no currículo. Eu sentei no meu lugar, feliz pela distração do Sr. Berty em sua dissertação.
O tempo se movia facilmente quando eu estava na escola. O sino sempre tocava cedo demais. Eu comecei a arrumar minha bolsa.
"Bella?", eu reconhecí a voz de Mike, e já sabia quais seriam as suas palavras antes que ele as disesse.
"Você vai trabalhar amanhã?"
Eu olhei pra cima. Ele estava se inclinando na fila de cadeiras com uma expressão ansiosa. Toda sexta feira ele me fazia a mesma pergunta. Não importava que eu nunca tivesse tirado um dia de folga. Bem, com uma excessão, há meses atrás. Mas ele não tinha nenhum motivo pra olhar pra mim com tanta preocupação. Eu era uma empregada modelo.
"Amanhã é Sábado, não é?", eu disse.
Tendo acabado de ser apontada por Charlie por causa disso, eu me dei conta do quanto a minha voz realmente parecia sem vida.
"É, é sim", ele concordou. "Te vejo na aula de Espanhol". Ele acenou uma vez antes de virar as costas. Ele não se incomodava mais em me acompanhar ás aulas.
Eu agarrei o livro de Cálculo com uma expressão severa. Essa era a aula em que eu me sentava perto de Jéssica.
Já faziam semanas, talvez meses, desde que Jéssica seguer me cumprimentou no corredor. Eu sabia que havia a ofendido com o meu comportamento antisocial, e ela estava amuada. Não ia ser fácil falar com ela agora - especialmente pedir pra ela me fazer um favor.
Eu pesei minhas opções cuidadosamente enquanto eu vadiava saindo da sala, me demorando.
Eu não ia enfrentar Charlie de novo sem algum tipo de relatório interativo da minha vida social. Eu sabia que não podia mentir, apesar do pensamento de ir e voltar de Port Angeles dirigindo sozinha - só pra ter certeza que o hodômetro refletia a minha milhagem no caso de ele checar - era muito tentador. A mãe de Jéssica era a maior fofoqueira da cidade, e Charlie era capaz de correr até a Sra. Stanley mais cedo ou mais tarde. Mentir não era uma opção.
Com um suspiro, eu abrí a porta.
O Sr. Varner me deu um olhar negro - ele já havia começado a aula. Eu corrí pro meu lugar. Jéssica não olhou pra cima quando eu sentei ao lado dela. Eu estava feliz por ter cinquenta minutos pra me preparar mentalmente.
Essa aula voou ainda mais rápido que Inglês. Uma pequena parte dessa velocidade se devia a minha ótima preparação essa manhã na caminhonete - mas a maior parte se devia ao fato de que o tempo sempre corria mais rápido pra mim quando ia acontecer alguma coisa ruim.
Eu fiz uma careta quando o Sr. Varner dispensou a classe cinco minutos antes. Ele sorriu como se estivesse sendo bonzinho.
"Jess?", meu nariz se torceu enquanto eu bajulava, esperando que ela se virasse pra mim.
Ela se virou na cadeira pra me encarar, me olhando incrédulamente.
"Você está falando comigo, Bella?"
"É claro", eu abri meus olhos pra sugerir inocência.
"O que? Você precisa de ajuda com Cálculo?" O tom dela era um pouco ácido.
"Não", eu balancei minha cabeça. "Na verdade, eu queria saber se você... poderia vir ao cinema comigo hoje á noite? Eu preciso muito de uma noite só pra garotas". As palavras pareceram rígidas, como frases mal feitas, ela pareceu suspeitar.
"Porque você está pedindo pra mim?" Ela perguntou, ainda não amigável.
"Você é a primeira pessoa em quem eu penso quando eu quero um momento de garotas". Eu sorrí. Eu esperava que o sorriso parecesse genuíno. Isso provavelmente era verdade. Pelo menos ela foi a primeira pessoa em quem eu pensei quando quis evitar Charlie. Isso era a mesma coisa.
Ela pareceu amolecer. "Bem, eu não sei".
"Você tem planos?"
"Não... eu acho que posso ir com você. O que você quer assistir?"
"Eu não tenho certeza do que está passando", eu cerquei. Essa era a pegadinha. Eu procurei no meu cérebro por uma idéia - eu não tinha ouvido alguém falar de um filme recentemente? Visto um cartaz? "Que tal aquele da presidenta?"
Ela me olhou estranha. "Bella, esse já saiu do cinema há um tempão"
"Oh", eu fiz uma carranca. "Tem alguma coisa que você gostaria de ver?"
A tagarelice natural de Jéssica começou a vazar a despeito de sí mesma enquanto ela falava em voz alta.
"Bem, tem essa nova comédia romântica que está recebendo ótimas críticas. Eu quero ver esse. E o meu pai viu Dead End e gostou muito".
Eu fiquei sem fôlego pelo título promissor. "Sobre o que esse fala?"
"Zumbís ou alguma coisa assim". Eu prefería lidar com zumbís de verdade a ter que assistir um romance.
"Ok", ela pareceu surpresa pela minha resposta. Eu tentei me lembrar se gostava de filmes de terror, mas eu não tinha certeza. "Você quer que eu vá te pegar depois da escola?", ela se ofereceu.
"Claro".
Jéssica sorriu pra mim tentadoramente amigável antes de ir embora.
Meu sorriso de resposta foi um pouco atrasado, mas eu acho que ela viu.
O resto do dia passou rapidamente, meus pensamentos estavam focados nos planos pra hoje á noite. Eu sabia por experiência que assim que eu conseguisse fazer Jéssica começar a falar, eu seria capaz de escapar com umas respostas murmuradas nos momentos apropriados. Somente a mínima reação seria requerida.
A grossa neblina que tomava conta dos meus dias agora me deixava confusa ás vezes. Eu me surpreendí ao me ver em meu quarto, sem me lembrar claramente da viagem pra casa da escola ou de abrir a porta da frente. Mas isso não importava. Perder a noção do tempo era o máximo que eu podia pedir da vida.
Eu não lutei contra a neblina quando me virei pra o meu armário. O entorpecimento era mais ecenssial em uns lugares do que em outros. Eu mal registrava o que estava procurando enquanto eu deslizei a porta para o lado para revelar a pilha de lixo do outro lado do meu armário, embaixo das roupas que eu nunca usava.
Meus olhos não se aproximaram do saco de lixo preto onde eu guardava os meus presentes do último aniversário, não viram o formato do som onde ele ficava ao lado da sacola preta; eu não quis pensar na bagunça que minhas unhas haviam ficado quando eu terminei de arrancá-lo do painél do carro.
Eu arranquei a bolsa que eu raramente usava do cabide onde ela ficava pendurada, e fechei a porta.
Nessa hora eu ouví a buzina. Eu rapidamente troquei a carteira da bolsa da escola para a bolsa. Eu estava com pressa, como se a pressa fosse de alguma forma fazer a noite passar mais rápido.
Eu olhei pra mim mesma no espelho do corredor antes de abrir a porta, arranjando meu rosto cuidadosamente com um sorriso e tentando segurar ele lá.
"Obrigada por vir comigo essa noite", eu disse á Jees quando escorreguei no banco do passageiro, tentando infundir meu tom de gratidão. Já fazia algum tempo que eu não pensava no que dizer a alguem que não fosse Charlie. Jess era mais difícil. Eu não tinha certeza de quais emoções fingir.
"Claro. Então, o que causou isso?", Jess quis saber enquanto dirigia na minha rua.
"Causou o que?"
"O que de repente fez você decidir... sair?" Parecia que ela tinha mudado a pergunta bem no meio.
Eu levantei os ombros. "Eu só precisava de uma mudança".
Eu reconhecí a música no rádio, e rápidamente alcancei o botão pra mudá-la. "Você se importa?", eu perguntei.
"Não, vá em frente".
Eu procurei pelas estações até encontrar uma que não oferecia perigo. Eu dei uma espiada na expressão de Jess enquanto a música enchia o carro.
Os olhos dela se esbugalharam. "Desde quando você escuta rap?"
"Eu não sei", eu disse. "Tem um tempo".
"Você gosta disso?", ela perguntou duvidosamente.
"Claro".
Ia ser muito mais difícil interagir com Jéssica se eu tivesse que trabalhar com os tons das músicas também. Eu balancei a cabeça, esperando que estivesse de acordo com o ritmo da música.
"Ok...", ela olhou pelo parabrisa com olhos esbugalhados.
"Então o que é que tá acontecendo entre você e Mike esses dias?" eu perguntei rapidamente.
"Você vê ele mais do que eu".
Essa pergunta não a fez começar a falar como eu esperava.
"É difícil conversar no trabalho" eu murmurei, e então tentei de novo. "Você tem saído com alguém ultimamente?"
"Na verdade não. Eu saio com Conner de vez em quando. Eu saí com Eric a duas semanas atrás", ela revirou os olhos, e eu pressentí uma longa história. Eu me agarrei á oportunidade.
"Eric Yorkie?"
"Quem convidou quem?"
Ela gemeu, ficando mais animada. "Foi ele, é claro! Eu não pensei numa maneira gentil de dizer não".
"Onde ele te levou?" eu quis saber, sabendo que ela ia interpretar a minha ansiosidade como interesse. "Me conte tudo"
Ela se lançou na história, e eu me arrumei no meu banco, mais confortável agora. Eu prestei muita atenção, murmurando com simpatia e ofegando de horror quando a situação pedia. Quando ela acabou com a história de Eric, ela continuou fazendo uma comparação de com Conner sem nenhum pudor.
O filme havia começado mais cedo, então Jess achou que sairíamos perto do crepúsculo e podíamos comer depois.
Eu estava feliz de me juntar a qualquer coisa que ela quisesse; afinal, eu estava conseguindo tudo o que eu queria - tirar Charlie da minha cola.
Eu mantive Jess falando nos trailers, assim eu pude ignorar eles mais facilmente. Mas eu fiquei nervosa quando o filme começou. Um jovem casal estava andando na praia, balançando as mãos e discutindo sua afeção mutual numa falsidade boba. Eu resistí a vontade de cobrir meus ouvidos e começar a cantarolar. Eu não tinha pedido romance.
"Eu achei que tínhamos ecolhido o filme de zumbí", eu assobiei pra Jéssica.
"Esse é o filme de zumbí".
"Então porque é que ninguém está sendo comido?", eu perguntei desesperadamente.
Ela olhou pra mim com olhos arregalados que eram quase alarmados.
"Eu tenho certeza de que essa parte vai chegar", ela sussurrou.
"Eu vou comprar pi8poca. Você quer?"
"Não, obrigada".
Alguém pediu silêncio atrás de nós.
Eu usei meu tempo esperando no balcão, observando o relógio e debatendo qual a porcentagem dos noventa minutos do filme podia ser de partes românticas. Eu decidí que dez minutos era mais que o suficiente, mas eu parei bem na porta da entrada, só pra ter certeza.
Eu podia ouvir gritos horrorizados ressoando dos autofalantes, então eu soube que tinha esperado tempo suficiente.
"Você perdeu tudo", Jess murmurou quando eu escorreguei de volta no meu lugar. "Quase todo mundo já é zumbí agora".
"Fila grande". Eu oferecí a pipoca pra ela. Ela pegou uma mão cheia
O resto do filme incluía horriveis ataques zumbís, e gritos ianacabaveis das pessoa que eram deixadas vivas, o número delas diminuia rapidamente. Eu teria pensado que não havia nada pra me incomodar. Mas eu me sentí incomodada, e a princípio não sabia porque.
Não foi até quase o final, enquanto eu observava o zumbí camabaleando atrás do último sobrevivente, que eu me dei conta de qual era o problema. A cena ficava sendo cortada entre o rosto horrorizado da heroína, e o do rosto morto, sem expressão do perseguidor dela, e pra frente e pra trás enquanto a distância diminuia.
E aí eu me dei conta de qual dos dois me assemelhava mais.
Eu fiquei de pé.
"Onde você tá indo? Ainda faltam, tipo, dois minutos", Jess assobiou.
"Eu preciso de uma bebida", eu murmurei enquanto corria para a saída.
Eu me sentei no banco no lado de fora do cinema e tentei muito não pensar na ironia. Mas era irônico, considerando tudo, que, no final, eu tinha me tornado um zumbí. Eu não tinha pensado nisso.
Não que eu já não tenha sonhado em me tornar uma criatura mística - só nunca uma grotesca, um cadáver animado. Eu balancei minha cabeça pra tirar minha cabeça daquela trilha de pensamento, me sentindo um pouco em pânico. Eu não podia me dar ao luxo de pensar no que eu havia sonhado um dia.
Era deprimente pensar que eu não era mais a heroína, que minha história havia acabado.
Jéssica saiu pela porta do cinema e hesitou, provavelmente se perguntando onde seria o melhor lugar pra procurar por mim. Quando ela me viu, ela pareceu aliviada, mas só por um momento. Depois ela pareceu irritada.
"O filme era assustador demais pra você?" Ela se perguntou.
"É", eu concordei. "Eu acho que sou só uma covarde".
"Isso é engraçado", ela fez uma carranca. "Eu não pensei que você estivesse assustada - eu estava gritando o tempo inteiro, mas não ouví você gritar nenhuma vez. Então eu não sei porque você saiu".
Eu levantei os ombros. "Só medo".
Ela relaxou um pouco. "Eu acho que esse foi o filme mais assustador que eu já assistí. Eu aposto que nós teremos pesadelos hoje á noite".
"Sem dúvidas quanto a isso" eu disse, tentando manter minha voz normal. Era inevitável que eu tivesse pesadelos, mas eles não seriam sobre zumbís. Os olhos dela olharam pro meu rosto e se desviaram. Talvez eu não tivesse tido sucesso com a minha voz normal.
"Onde você quer comer?", Jess perguntou.
"Eu não ligo".
"Ok".
Jess começou a falar sobre o ator principal do filme enquanto andávamos. Eu acenava com a cabeça enquanto ela tagarelava sobre a gostosura dele, incapaz de me lembrar de algum homem que não fosse zumbí.
Eu não ví pra onde Jéssica estava me levando. Eu apenas estava vagamente consciente de que estava mais escuro e mais quieto agora. Eu demorei mais do que devia pra perceber porque estava quieto. Jéssica tinha parado de tagarelar. Eu olhei pra ela lamentosamente, esperando não ter magoado seus sentimentos. Jéssica não estava olhando pra mim. O rosto dela estava tenso; ela olhava diretamente pra frente e andava mais rápido. Enquanto eu observava, os olhos dela se dirigiram rapidamente pra direita, através da rua, e voltaram de novo.
Eu mesma olhei ao redor pela primeira vez.
Nós estávamos numa curta extensão da calçada sem iluminação. As pequenas lojas alinhadas na rua estavam todas fechadas para a noite, as janelas estavam negras. Meio quarteirão á frente, as luzes da rua começavam de novo, e eu podia ver, mais á frente, os brilhantes arcos dourados do McDonald's pra onde ela estava seguindo.
Do outro lado da rua havia um lugar aberto. As janelas estavam cobertas pelo lado de dentro e haviam letreiros de néon, propagandas para diferentes tipos de cerveja, brilhando na frente deles. O maior letreiro, num verde brilhante, era o nome do bar - Pete de Um Olho. Eu me perguntei se havia alguma espécie de tema pirata que não era visível pelo lado de fora. As portas de metal estavam abertas; estava fracamente iluminado lá dentro, e o baixo murmúrio de muitas vozes e o som de gelo batendo em copos de vidro flutuava através da rua. Se inclinando na parede do lado da porta haviam quatro homens.
Eu olhei de volta pra Jéssica. Os olhos dela estavam fixos no caminho em frente e ela se movia bruscamente. Ela não parecia assustada - só cautelosa, tentando não atrair a atenção pra sí mesma.
Eu parei sem pensar, olhando de volta pra os quatro homens com um forte senso de déjá vu. Essa era uma rua diferente, uma noite diferente, mas a cena era muito parecida. Um deles era até baixinho e meio escuro. Enquanto eu parava e me virava na direção deles, esse ai olhou pra mim interessado.
"Bella?" Jess sussurrou.
"O que é que você tá fazendo?"
Eu balancei a cabeça, sem ter certeza. "Eu acho que eu conheço eles...", eu murmurei.
O que era que eu estava fazendo? Eu devia estar correndo dessa memória o mais rápido que podia, bloqueando a imagens daqueles quatro homens na minha mente, me protegendo com a entorpecência sem a qual eu não podia mais viver. Porque eu estava pisando, confusa, na rua?
Me pareceu conhecidência demais que eu estivesse em Port Angeles com Jéssica, e até mesmo numa rua escura. Meus olhos estavam focados no baixinho, tentando juntar as imagens com as minhas memórias do homem que havia me ameaçado naquela noite a quase um ano atrás. Eu imaginei se havia algum jeito de reconhecer aquele homem, se aquele era realmente ele. Aquela parte em particular daquela noite em particular era só um borrão. Meu corpo se lembrava daquilo melhor que minha mente; a tensão nas minhas pernas enquanto eu decidia se era melhor correr ou ficar no lugar, a minha garganta seca enquanto eu tentava construir um grito decente, a pele repuxada dos meus dedos quando eu fechei minhas mãos nos pulsos, os arrepios no péscoço quando o homem de cabelo escuro me chamou de "docinho"...
Havia um tipo de ameaça indefinito, insinuante nesses homens que não tinha nada a ver com aquela noite. Ela crescia pelo fato deles serem estranhos, e estava escuro aqui, e eles estavam num número maior que nós - nada mais específico que isso.
Mas isso foi o suficiente para a voz de Jéssica demonstrar pânico quando ela me chamou.
"Bella, vamos logo!"
Eu ignorei ela, andando vagarosamente em frente sem nem sequer tomar uma decisão consciente de mexer meus pés. Eu não entendia porque, mas a ameaça nebulosa que aqueles homens representavam me arrastava pra eles. Era um impulso sem sentido, mas eu não havia sentido nenhum tipo de impulso por tanto tempo... que eu resolvi segui-lo.
Alguma coisa familiar pulsou nas minhas veias.
Adranalina, eu me dei conta, que há muito estava ausente do meu sistema, fazendo o meu pulso bater mais rápido, e lutando contra a falta de sensações. Isso era estranho - porque a adrenalina quando não havia nenhum medo por perto? Era quase como um eco da última vez que eu estive assim, numa rua escura em Port Angeles com estranhos.
Eu não via motivos pra ter medo. Eu não podia imaginar mais nada no mundo de que eu pudesse ter medo, nada físico, pelo menos. Uma das poucas vantagens de perder tudo.
Eu já estava no meio da rua quando Jess me alcançou e agarrou meu braço.
"Bella, você pode entrar num bar!", ela assobiou.
"Eu não vou entrar", eu disse ausentemente, tirando a mão dela de mim. "Eu só quero ver uma coisa..."
"Você está louca?" ela sussurrou. "Você é uma suicida?"
Essa pergunta me chamou a atenção, e meus olhos se focaram nela.
"Não, eu não sou", minha voz pareceu defensiva, mas tudo era verdade. Eu não era uma suicida. Nem no começo, quando inquestionavelmente a morte seria um alívio, eu considerei isso. Eu devia muito á Charlie. Eu me sentia responsável por Renée. Eu tinha que pensar neles.
E eu havia feito uma promessa de não fazer nada estúpido ou sem pensar. Por todas essas razões, eu ainda estava respirando.
Me lembrando dessa promessa, eu sentí uma pontada de culpa.
Mas isso que eu estava fazendo agora não contava de verdade. Não era como se eu estivesse passando uma navalha nos pulsos.
Os olhos de Jess olharam em volta, a boca dela ficou escancarada. A pergunta dela sobre suicídio era retórica, eu percebi tarde demais.
"Vá comer", eu a encorajei, acenando na direção do fast food. Eu não gostei do jeito que ela olhou pra mim. "Eu vou atrás em um minuto".
Eu me virei de costas pra ela, de volta pra os homens que estavam olhando pra nós com olhos divertidos, curiosos.
"Bella, pare com isso agora!"
Meus musculos se travaram, me congelando onde eu estava. Porque não era a voz de Jéssica que me repreendia agora.
Era uma voz furiosa, uma voz familiar, uma voz linda - macia como veludo mesmos estando irritada.
Era a voz dele - eu era exepcionalmente cuidadosa pra não pensar no nome dele - e eu estava surpresa de ver que o som dela não fez meus joelhos fraquejarem, me derrubando no pavimento com a tortura da perda.
Mas não havia dor, nenhum pouco.
No instante que eu ouví a voz dele, tudo ficou muito claro. Como se minha cabeça tivesse emergido de alguma piscina escura. Eu estava mais consciente de tudo - a visão, os sons, a sensação do vento frio que eu não havia percebido que estava soprando no meu rosto, os cheiros vindos da porta aberta do bar.
Eu olhei ao redor chocada.
"Volte pra Jéssica", a amável voz ordenou, ainda com raiva. "Você prometeu- nada estúpido".
Eu estava sozinha. Jéssica estava á alguns metros de distância de mim me olhando com olhos assustados. Contra a parede, os estranhos observavam, confusos, imaginando o que eu estava fazendo, ficando em pé sem me mexer no meio da rua.
Eu balancei minha cabeça, tentando entender. Eu sabia que ele não estava lá, e mesmo assim, eu o sentia improvavelmente perto, perto pela primeira vez desde... desde o fim. A raiva na voz dele era de preocupação, a mesma raiva que uma vez já me foi muito famíliar - uma coisa que eu já não ouvia pelo que pareceu ser uma vida inteira.
"Mantenha sua promessa". A voz estava desaparecendo, como se eu estivesse baixando o volume de um rádio.
Eu comecei a suspeitar que estava tendo algum tipo de alucinação. desencadeada, sem dúvida, pela memória - o deja vu, a estranha familiaridade da situação.
Eu corrí as possibilidades rapidamente na minha cabeça.
Opção um: eu estava louca. Esse era um termo apropriado pra pessoas que costumam ouvir vozes em sua cabeças.
Possível.
Opção dois: minha mente subconsciente estava me dando o que ela achava que queria. Esse era o desejo de cumprimento - um alívio momentâneo da dor que abraçava a idéia incorreta de que ele se importava se eu estava viva ou morta.
Eu estava projetando o que ele diria se A) ele estivesse aqui, e B) se ele estivesse de alguma forma se incomodando com o que pudesse acontecer comigo.
Provável.
Eu não podia ver uma terceira opção, então eu esperava que fosse a segunda opção e que isso fosse só o meu subconsciente ficando furioso, do que alguam coisa que acabasse me levando pro hospital.
A minha reação não foi muito sã, contudo - eu fiquei agradecida. O som da voz dele era uma coisa que eu temia estar perdendo, então, mais do que qualquer coisa, eu senti uma gratidão dominante porque o meu subconsciente havia guardado esse som melhor do que a minha mente consciente.
Eu não tinha permissão pra pensar nele. Isso era uma coisa com a qual eu tentava ser bem restrita. É claro que as vezes eu escorregava; eu sou só humana. Mas eu estava melhorando, e então agora a dor era uma coisa da qual eu podia me afastar por dias.
O custo era uma entorpecência que não acabava nunca. Entre a dor e o nada, eu escolhi o nada.
Eu esperei pela dor agora. Eu não estava entorpecida - meus sentidos estavam estranhamente intensos depois de tanto tempo na neblina - mas a dor normal não apareceu. A única dor foi o desapontamento porque a voz estava desaparecendo.
Havia uma segunda escolha.
A coisa inteligente a fazer seria correr desses pensamentos potencialmente - e certamente mentalmente instáveis - destrutivos. Seria burrice encorajar essas alucinações.
Mas a voz estava desaparecendo.
Eu dei outro passo em frente, testando.
"Bella, vire-se", ele rosnou.
Eu suspirei aliviada. A raiva era o que eu queria ouvir - uma evidência falsa, fabricada, de que ele se importava, um presente duvidoso do meu subconsciente.
Muitos poucos segundos se passaram enquanto eu resolvia tudo isso. Minha pequena platéia assistia, curiosa. Talvez parecesse que eu estava me decidindo se eu ia ou não me aproximar deles. Como é que eles podiam adivinhar que eu estava em pá aproveitando um inesperado momento de insanidade?
"Oi", um dos homens chamou, seu tom era confiante e um pouco sarcástico. Ele era gordinho e cabeludo, e tinha uma postura que quem se achava realmente muito bonito. Eu não podia dizer se ele era ou não. Eu estava lesada.
A voz na minha cabeça respondeu com um rosnado notável. Eu sorrí, e o homem confiante achou que eu o estava encorajando.
"Eu posso te ajudar com alguma coisa? Você parece perdida". Ele sorriu e piscou.
Eu pisei cuidadosamente na sarjeta, a água corrente era preta na escuridão.
"Não. Eu não estou perdida".
Agora que eu estava mais próxima - e meus olhos se focaram estranhamente - eu analisei o homem baixinho, escuro. Ele não era familiar de jeito nenhum. Eu sofrí uma curiosa sensação de decepção porque aquele não era o terrível homem que tentou me machucar quase um ano atrás.
A voz na minha cabeça estava quieta agora.
O homem baixinho reparou no meu olhar. "Eu posso te comprar uma bebida?", ele ofereceu, nervoso, parecendo lisonjeado por eu ter escolhido olhar pra ele.
"Eu sou jovem demais", eu respondí automaticamente.
Ele estava confuso - imaginando porque eu tinha me aproximado deles.
Eu me sentí compelída a explicar.
"Do outro lado da rua, você me pareceu alguém que eu conhecia. Desculpe, erro meu".
A ameaça que havia me empurrado pela rua havia evaporado. Esses não eram os homens perigosos dos quais eu me lembrava. Eles provavelmente eram caras legais. Salva. Eu perdí o interesse.
"Tudo bem", o loiro confiante disse. "Fique e se divirta conosco".
"Obrigada, mas eu não posso" Jéssica estava hesitando no meio da rua, seus olhos estavam arregalados de ultraje e traição.
"Oh, só alguns minutos".
Eu balancei minha cabeça, e me virei pra me juntar á Jéssica.
"Vamos comer", eu sugerí, mal olhando pra ela.
Apesar de eu parecer estar, no momento, livre da abstração zumbí, eu ainda estava distante. Minha mente estava preocupada. A entorpecência segura, morta, não voltou, e eu fui ficando mais ansiosa a cada minuto que se passava sem que ela voltasse.
"O que era que você estava pensando?" Jéssica disparou. "Você não conhecia eles - eles podiam ser psicopátas!"
Eu levantei os ombros, esperando que ela deixasse pra lá. "Eu só pensei que conhecia um dos caras".
"Você é tão estranha, Bella Swan. Eu sinto como se não soubesse quem você é".
"Desculpa", eu não pensei em mais nada pra dizer.
Nós caminhamos para o McDonald's em silêncio. Eu aposto que ela estava pensando que seria melhor termos vindo de carro do que andando na pequena distância do o cinema, assim ela poderia ter usado o drive-thru. Agora ela estava tão ansiosa pra essa noite acabar quanto eu tinha estado desde o início.
Eu tentei começar uma conversa algumas vezes enquanto comíamos, mas Jéssica não estava cooperando. Eu realmente devo ter ofendido ela.
Quando nós voltamos para o carro, ela colocou o rádio na estação favorita dela de novo e aumentou o volume demais pra ser possível conversar.
Eu não tive que lutar como sempre pra ignorar a música. Mesmo a minha mente não estando, pela primeira vez, cuidadosamente entorpecida e vazia, eu tinha coisas demais pra pensar pra ouvir as letras.
Eu esperei a entorpecência voltar, ou a dor. Porque a dor devia estar vindo. Eu quebrei minhas próprias regras. Ao invés de me esconder das memórias, eu andei em frente e as cumprimentei. Eu tinha ouvido a voz dele, tão claramente, na minha cabeça. Isso ia me custar caro, eu tinha certeza. Especialmente se eu não podia convocar a neblina pra me proteger. Eu me sentí muito alerta, e isso me assustou.
Mas o alívio ainda era a sensação mais forte no meu corpo - alívio que aquilo tenha vindo do íntimo do meu ser.
Mesmo eu lutando pra não pensar nele, eu não lutava pra esquecê-lo. Eu tive medo que - tarde da noite, quando a exautão pela falta de sono quebrasse minhas defesas - que eu acabasse me dando por vencida. Eu tive medo que minha mente fosse como uma peneira, e que algum dia eu não lembrasse mais a cor exata dos seus olhos, a sensação do toque da pele fria dele, ou da textura da voz dele.
Eu podia não pensar nisso, mas eu precisava me lembrar disso.
Porque só havia uma coisa na qual eu precisava acreditar pra ser capaz de viver - eu precisava saber que ele existia. Isso era tudo.
Tudo mais podia ser suportado. Contanto que ele existisse.
Era por isso que eu estava mais amarrada á Forks do que nunca, por isso eu lutei com Charlie quando ele sugeriu uma mudança. Honestamente, isso não devia importar; nenhum deles ia voltar pra cá.
Mas se eu fosse pra Jacksonville, ou qualquer outro lugar claro e familiar, como é que eu podia ter certeza de que ele era real? Num lugar onde eu jamais poderia imaginá-lo, a convicção ia acabar desaparecendo... e isso eu não poderia suportar.
Proibida de pensar, morrendo de medo de esquecer; era uma linha difícil de seguir.
Eu fiquei surpresa quando Jéssica parou o carro na frente da minha casa. A viagem não foi longa, mas, mesmo curta do jeito que pareceu, eu não pensei que Jéssica pudesse ficar tanto tempo sem falar nada.
"Obrigada por ter saído comigo, Jess", eu disse enquanto abria a porta. "Foi... divertido". Eu esperava que divertido fosse uma palavra apropriada.
"Claro", ela murmurou.
"Eu lamento por... depois do filme".
"Tanto faz, Bella" Ela olhou pelo parabrisa ao invés de olhar pra mim. Ela parecia mais estar ficando com raiva do que esquecendo.
"Te vejo Segunda?"
"É. Tchau".
Eu desistí e fechei a porta. Ela foi embora, ainda sem falar comigo.
Eu esquecí ela assim que cheguei em casa.
Charlie estava esperando por mim no meio do corredor, os braços cruzados com força no peito com as mãos apertadas nos punhos.
"Oi, pai", eu disse ausentemente me desviando de Charlie, pra chegar nas escadas. Eu estive pensando nele por tempo demais e eu queria estar lá em cima antes que a ficha caísse.
"Onde você esteve?" Charlie quis saber.
Eu olhei pro meu pai, surpresa. "Eu fui no cinema em Port Angeles com Jéssica. Como eu te disse essa manhã".
"Humph", ele grunhiu.
"Está tudo bem?"
Ele estudou meu rosto, os olhos se arregalados como se ele tivesse visto alguma coisa inesperada. "É, tá tudo bem. Você se divertiu?"
"Claro", eu disse. "Nós assistimos um filme de zumbís que comiam pessoas. Foi ótimo".
Seus olhos se estreitaram.
"Boa noite, pai"
Ele me deixou passar. Eu corrí pro meu quarto.
Eu me deitei na minha cama alguns minutos depois, resignada como se a dor finalmente tivesse aparecido.
Era uma coisa assustadora, essa sensação de que um buraco havia sido construído no meu peito, fazendo meus órgãos vitais pararem de funcionar e deixando- os em trapos, com cortes não curados nas beiradas que continuavam doendo e sangrando mesmo com a passagem do tempo. Racionalmente, eu sabia que meus pulmões deviam estar intactos, mas mesmo assim eu lutava por ar e minha cabeça rodava como se os meus esforços não me levassem a nada. Meu coração devia estar batendo também, mas eu não conseguia ouvir o barulho da pulsação nos meus ouvidos; minhas mãos pareciam azuis de frio. Eu me curvei, abraçando minhas costelas pra me manter junta. Eu procurei pela minha torpência, minha negação, mas elas tinham me abandonado.
E mesmo assim, eu achava que podia sobreviver. Eu estava alerta, eu sentia a dor - a dor da perda que irradiava do meu peito, mandando ondas de dor pelos meus órgãos e minha cabeça - mas era suportável.
Eu podia sobreviver. Eu não sentí que a dor tinha diminuído com o tempo, mas eu tinha ficado forte o suficiente pra suportá-la.
O que quer que tenha acontecido essa noite - fossem os zumbís, a adrenalina, ou as alunações os responsáveis - isso me acordou.
Pela primeira vez em muito tempo, eu não sabia o que esperar pela manhã.

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